quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Porto Sentido


Hoje foi um dia intensamente Porto.

Ao passar a ponte, quase o nascer do sol. Trabalho. Guindais.
A Sé. São Bento.
31 de Janeiro. A frutaria ao lado da sapataria. Santa Catarina.
Santo António. Um peixe grelhado numa esplanada na cordoaria. A Dra.
Palácio das Sereias. Alfândega. Júlio Resende.
A marginal. A Ribeira. Mercado Ferreira Borges.
Atravesso de novo a ponte, quase ao por do sol.
Termino nos cinemas da Arrábida - "as melhores pipocas do Porto" - como dizem.

Talvez fosse capaz de me habituar...

P.S. Temo que hoje me apercebi o que os outros sofrem com os meus atrasos. Desculpem por todas as muitas vezes que tal aconteceu.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

É "Natal"

Antes que eu sentisse
o frio na minha cara, nas minhas mãos,
o cheiro a castanha no ar,
a escuridão de um fim de tarde precoce,
o som da chuva a bater na janela...

antes que eu sequer pensasse nisso

já é "Natal"!

Hoje, nas lojas, já é "Natal".

Bom era, que já fosse Natal no coração...

sábado, 13 de outubro de 2007

A última

Às 8.30 da manhã com um ar ensonado, entrei pela última vez naqueles barracões para trabalhar.
O dia adivinhava-se solarengo.
A esta hora já tinhamos o céu mais azul do mundo.
Entrei a contar as horas para acabar aquela que seria A MINHA ÚLTIMA URGÊNCIA.
Passei a última hora a NÃO querer que o tempo passasse.
E no final, (depois de ter distribuído o meu contacto por quem fui encontrando), ao despir pela última vez aquela bata amarela, a saudadezinha no canto do olho...

Obrigado pelos momentos divertidos e de aprendizagem que passámos juntos.

Até breve!

sábado, 6 de outubro de 2007

O valor de um gesto

Regresso a casa depois de uma noite de Urgência, neste matinal cinzento bruma tão Porto, com um sorriso nos lábios.

Porque me sinto feliz quando faço alguém feliz, hoje sou feliz.

Não usei fármacos ou técnicas invasivas, mas tão somente as minhas mãos, o meu sorriso, a minha presença, as minhas palavras.
Do outro lado, sentir um aperto na mão, uma respiração que se acalma, um coração e uns lábios que sorriem e uma voz que diz "Dra., obrigado."
As noites no hospital podem ser muito solitárias. A ansiedade pré-cirurgia não dá tréguas, a insegurança de não se saber o que vai acontecer a seguir... mal consigo imaginar.

Hoje comprovei que um gesto pode ser muito mais terapêutico que um Lorenin. "Salvei" uma vida.

Comecei a semana bem triste e desapontada com as limitações da medicina e minhas.

Mas não há dúvida que a vida é um ciclo. E o ciclo desta semana terminou com este bem-estar que não sei descrever.
Só comparável a quando fiz o meu primeiro (e único até agora) parto. Mesmo sendo quase a 4 mãos, o colocar lá as minhas, incentivar a mãe, ajudar o bebé a sair, segurá-lo, cortar o cordão umbilical... e ouvir o primeiro choro..., provocou em mim uma sensação indescritivelmente boa. É o milagre da vida, e por mais pateta que estas palavras possam parecer, é mesmo sentir que se colocou no mundo mais uma criatura de Deus.
Invadiu-me uma hipersecreção lacrimal, que ainda consegui conter. Confesso, apetecia-me soltar aquelas lágrimas do canto do olho sobre as (duplas) bochechas, tal como já tinha feito, discretamente, noutros partos a que tinha assistido. Mas agora eu era médica, eu era A médica (uma das)... por isso respirei fundo, sorri, e, com a criança nos braços, disse "Parabéns!".

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

De regresso a "casa"

Para mim é bastante difícil definir o que e onde é "casa".

O local onde passamos mais tempo? Aquele com que mais nos identificamos? Deixo esta discussão filosófica para mais tarde.

No último mês dei por mim, várias vezes, a "voltar a casa".

Chegada a Barcelona, regressando de Barcelona*, ou da Grécia*, ou simplesmente das Feiras Novas*. Quando voltei a Lisboa ou quando, "fui a casa" (esta, a algarvia, ainda prevalece sobre as restantes).



Barcelona

Passaram 2 anos desde que esta cidade foi a minha casa por 3 intenssíssimos meses, embora eu insista em pensar que foi o ano passado.

Ao chegar ao aeroporto, as pessoas pareciam-me familiares. As caras, a pronúncia, os cortes de cabelo (ou a falta deles), as roupas. "Acho que já os vi em qualquer lado". Ou talvez não. Claro que não. Onde é que eu tinha a cabeça.

Dirigi-me à máquina para comprar o T10, para apanhar o train até Sans e depois metro até Catalunha, onde um amigo me esperaria no Zurique. Segui escrupulosamente todas as suas instruções.

Quando cheguei ele não estava - parti à descoberta.

A minha rua, a dois passos das Ramblas, o meu prédio (já não me lembrava do nº, e na verdade, já não me lembrava da porta), a entrada que foi finalmente arranjada. Um arrepio na espinha ao passar ali. As lojas, os cafés, os bares. Parece que estou a sentir tudo de novo.

Encontro o meu amigo. Agora vive no Raval. Esse bairro problemático que me acolheu nos primeiros 10 dias de busca incessante de casa, que só compreende quem já passou por isso. A "Residência espanhola" é um retrato fiel.
Consegui descobrir essa rua, esse prédio, essa porta, essa janela. Só não me lembro o andar. Outro arrepio. Dez dias em que eu senti tanto.

Chegámos a casa - a dele. Experimentei o bicing. Catalunha, Laetana, Marina, Barceloneta, praia, o meu Hospital! Paragem breve para tirar os sapatos, lamentar não ter bikini vestido, sentir a água tépida, deitar na terra, sentir-me de novo a sair do Hospital e dormir a siesta na concha.


Porto

A diferença de temperatura ao chegar ao aeroporto. Metro. Arrepio ao passar a ponte e ouvir Porto Sentido de Rui Veloso - só na minha cabeça. Subir a Avenida a pé, com as malas, depois de 2 noites mal dormidas e uma semana intensa.
Chego a casa. Sinais de quem saiu à pressa. Roupa passada e por passar dispersa pelos sofás da sala e tábua de engomar. Roupa no estendal da cozinha já desidratada. Toalha no chão da casa de banho. E, no quarto, a bata e o estetoscópio em cima da cama, a lembrar que amanhã é dia de trabalho. Este podia ser qualquer regresso: da Grécia, de BCN, do Algarve, ou simplesmente de um qualquer fim-de-semana fora...


Algarve

Na mala meia vazia: um bikini e túnica de praia, chinelos, 2 T-shirts e 1 camisola. Três peças de bijutaria, não fosse eu querer aproveitar a noite algarvia.
Fui enganada. À saída do comboio a temperatura não deixa dúvidas. Está fresquinho.
Chego a casa. Cozinha remodelada. Parece maior. Fogão eléctrico, caldeira... será que finalmente vou ter um banho em que a água quente não acaba (sempre!) comigo?
Os meus pais, os meus avós, tão queridos - na mesma.
Os meus cães! O Prince ainda luta pela sobrevivência do lado de cá e a Libby sempre irrequieta.
A missa. O Sr. Padre tem mais cabelos brancos. A maioria engordou. As mulheres têm o cabelo mais eriçado. Os homens têm menos cabelo. Os jovens no altar já não são os mesmos. Estes ainda deviam ter dentinhos de leite no meu tempo. Os outros casaram. Há ausências na assembleia. Teriam ficado em casa por causa da chuva, ou já não estão entre nós?
Volto a calçar os sapatos amarelos. Recordações de um ano e meio de Verão.
Na varanda, deitada num baloiço brasileiro, olho o mar. Está mais azul. Parece mais perto.
Proliferaram estradas, rotundas e prédios.


Lisboa

A minha casa durante 6 anos. O metro da Cidade Universitária onde começo a encontar "gente". Passo pela cantina e oiço hinos, vejo capas negras, adolescentes pintados, megafones, gritos, risos - são as praxes.
Semáforos e não oiço nem vejo a senhora dos nougats. Onde estará?
Entro no hospital. Mais gente. Parece que estou na faculdade outra vez.
Procuro os meus colegas, dispersos por serviços que eu não sei/nunca soube onde são.
Encontro. Um sorriso, um abraço sentido. Tão bom.
Um almoço numa esplanada com a luminosidade lisboeta, para matar saudades e pôr conversa de ano(s) em dia. Um café numa casa de chá espectacular, só com pessoas de quem eu gosto. Um arrepio. Tão bom!
Gare do Oriente. Está na hora de partir deste ambiente cosmopolita, mas ao mesmo tempo tão familiar e acolhedor.



Saudades de casa - sempre!


*assuntos a desenvolver em futuros posts